14 de janeiro de 2013

[106] Episódio piloto: Causa mortis


Foi só um momento. Como todas as pequenas coisas que acontecem e depois percebemos que de pequenas não tinham nada. Foi sempre só um pequeno momento. O momento em que o conheci, o momento em que disse sim, o momento em que me entreguei e o momento no qual eu estava naquele quarto do hospital tendo que entender que agora seria eu por eu e por mim mesma. Quarenta e cinco anos começam em um momento. Quarenta e cinco anos acabam em um momento.

O que se sucede entre os momentos nos quais acontecem pequenas coisas que, na verdade, não são pequenas, chama-se abismo, sem fim. Os doze anos seguintes àquele duram uma eternidade. Não existem mais pequenos nem grandes nem nenhum tipo de momento neste apartamento suburbano de dois quartos mobiliado do mesmo jeito desde a década de setenta, quando me mudei para cá.

Criei meus filhos aqui. Agora, meus filhos perderam a mãe. Eu, a vida. Dizem que, quando um cachorro sabe que vai morrer, ele some para que o possa fazer sozinho, isolado, em paz. Mesmo eu não sendo uma cadela, decidi que era minha hora de fazer o mesmo. E, veja bem, não tentei suicídio. Morri à francesa, sem causar escândalo. Morri sem velório e sem enterro. Sem caixão, sem corpo, sem vela. Continuei pensando, comendo, cagando, falando, comprando, morando e todas essas coisas que fazem a sociedade e o doutor definir quem ainda está vivo. O rim funciona até hoje. Perfeitinho. Sou como quando se apaga a luz. Tudo está ali, no escuro, ou não está mais, já se foi e não se viu?

Essas paredes coloridas já viram muita alegria. Hoje, ouvem a alegria dos vizinhos com o mesmo pesar que eu. Meu azar é ter a cabeça boa e não esquecer nunca dos remédios, é o que sempre digo. É o que sempre digo para as paredes. Mas será que elas já não estão cansadas de me ouvir?

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