26 de setembro de 2013

[304] quando o café não resolve


Não adianta. Por mais que você tenha uma rotina de merda, seu domingo sempre conseguirá ser pior. Domingo não apresenta opções para escapar. Você não tem a opção de sair e fazer compras porque a maioria das lojas legais se encontra fechada. Não tem como ligar o rádio sem escutar samba e sertanejo. Não há canais para escolher. Ou Faustão ou Rodrigo Faro, já que até o Gugu se suicidou dos domingos.

Foi num desses domingos de ócio que, lendo o jornal do dia anterior, encontrei uma chance de ouro. Um ilustrador brasileiro naturalizado inglês estava oferecendo vagas para um curso em sua agência, acompanhado de trampo remunerado. Foi ali que me enxerguei com 30 anos, desenhando não mais numa cafeteria, mas em um estúdio conceituado.

Lançaria uma graphic novel que contava a história de um personagem egocêntrico e metido a besta, mas que deixaria tudo de lado para viver com uma mina que, posteriormente, arrasaria a vida dele. Autobiográfico? Imagina...

Assinaria uma linha de latas para uma fábrica de chocolates gourmet. Camisetas, canecas, posters. Faria exposições conceituais que ninguém saberia explicar as relações entre as ilustras, mas pagariam uma nota para ver (e não poder tirar fotos). Seria convidado para programas de debate e comportamento na televisão, mesmo que eu não tenha nada a ver com o tema do programa do dia. No fim, sorteariam algumas coisas da minha linha entre os que usarem a hashtag com o nome do programa em redes sociais.
Mas antes mesmo disso tudo começar, já havia sido deixado à beira da estrada. Esse destino filho da puta.
Tava bastante ansioso e ainda me arrumam de atrasar o vôo. Tique taque. Tique taque. Peguei um exemplar gratuito de Palavras Cruzadas na sala de espera. Cidade do Egito com grandes pirâmides com 4 letras. Problema urbano relacionado a carros com 16 letras. Tique. Nicolau Maquiavel, autor do livro O Príncipe, com 2 letras. Taque. Café, preciso de café. Forte, por favor. Tique. Não resolve.

Parti pro banheiro, era proibido fazer isso em ambiente fechado, eu sei, mas precisava fumar uma. Sentei em uma das privadas, tranquei a porta. Isqueiro vermelho. Fogo. Aos poucos, ficava mais calmo. Obrigado. Podia ouvir a canção do Marcelo D2 que fazia trilha sonora interromper para dar voz à senhorita da voz sensual me alertando pro meu vôo.

Saí correndo, um pouco desesperado. Coloquei os óculos escuros para passar pela revista. Não podia parecer nesse estado pros policiais. Foi!

A sorte acabava na Inglaterra, porém. O avião pousou no aeroporto em Londres. Peguei minhas malas e, uma nova passagem pelo detector de metais (que achava ser somente para metais) era necessária para a entrada no saguão principal.

O detector apitou. Retirei os óculos, o celular e algumas moedas que estavam no bolso da calça. O policial pediu para eu tirar o cinto também. Segurando as calças com a mão, arrisquei uma nova passagem. Bip-bip. Me pediram para ir para próximo da parede e usaram um detector portátil que apitou ao ser passado em meu peito. O policial retirou um pedaço do cigarro que não tinha sido queimado até a última ponta.

Deportado. Nada de ilustrações, nada de linha de produtos, nada de grana, nada de sucesso.

Não podia correr o risco dos meus pais saberem que tudo deu errado para mim novamente. Já não bastava os sermões por ter sido abandonado por aquela mina. Desesperado, liguei pro Sujeira. Ele riu da minha cara, mas me ajudou.

Me colocou no apartamento dele por uns dias, até que consegui esse apartamento. Fiquei com medo de seguir as instruções dos classificados novamente, mas não queria morar com um cara que não tinha esse apelido a toa.

Um apartamento num edifício cinza, um sofá preto e uma das malas que não foram confiscadas na viagem. Era tudo que havia me restado.

FOTOS: (1) (2)

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