17 de agosto de 2013

[502] Episódio Cinco: Greve dos professores




Escola em greve. Manifestações nas ruas. Dividida entre a luta por melhores condições de trabalho e a espera dos alunos pelas aulas que não têm. Participo das assembleias. Há momentos em que a revolta e a vontade de desistir são grandes. Os vandalismos vêm se tornando cada vez mais frequentes e o movimento perdendo sua força. Muitos amigos enfrentam a polícia agressiva que se faz boazinha e abusa de sua condição de autoridade.

Ontem, um silêncio incômodo tomou conta da avenida onde os professores se encontravam. Calados, andávamos em filas organizadas em direção ao palanque em que alguns líderes nos esperavam juntos com artistas e repórteres que apoiam e valorizam o evento. De repente, os PMs interromperam a caminhada, bloqueando a rua, impossibilitando-nos de prosseguir. Não havia gritos nem qualquer tipo de pronunciamentos, estávamos como em procissão.


Ao fugir da confusão armada pela arbitrariedade policial, fui atingida nos olhos pelo spray de pimenta. Cega e com muitas dores, corria de um lado para outro sem destino certo, até que fui arrastada por alguém até a portaria de um prédio onde fui socorrida. Nada mais ardia do que a covardia que corroía os brios de quem sabe de seus deveres e deseja ter, garantidos, seus direitos.

Passaram leite em meus olhos e os lavaram com soro. Sem enxergar por um bom tempo, tomada de aflição e rebeldia, queria sair dali e seguir, mas não conseguia. Pessoas generosas me acudiram, tentavam me acalmar os ânimos e me perguntavam onde eu morava, com quem eu estava, se queria que me levassem até a casa...

Eu, atordoada, pensava nos ensinamentos de minha vó. Aprendi o respeito como base de uma sociedade justa, solidez de um vínculo de confiança... Minha Eloah era sábia, mas naquele instante, tudo que me ensinara parecia em vão. Eu, em passeata, respeitava os limites da cidadania participativa ativa, porém ordeira, agia de forma civilizada e fui abatida pela ignorância de um poder autoritário que se diz democrático.

Ouvia o espocar das bombas e me recordava, também das histórias do meu vô Samuel sobre as fugas hilárias e sofridas nos tempos da guerra. Sentia-me em um campo de batalha, perdidamente só, entre companheiros pacifistas que se preocupavam em ajudar sobreviventes. Órfã, engolindo meus ideais, digerindo, à força, tamanha estupidez.

Recuperada, agradecida aos que ficaram ao meu lado e me acolheram, retornei ao meu ninho, onde descanso meu corpo, abrigo minha alma, mantenho-me protegida dos pensamentos e lembranças maléficos aos meus sonhos de uma educação pública de qualidade, de alunos pensantes, de uma aprendizagem centrada em significados reais à vida de quem precisa saber ler o mundo, encontrar meios de compreendê-lo e transformá-lo. Veio-me à mente as palavras de Paulo Freire.

“Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que a sua "generosidade" continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça.”

 Logo, um bom banho, um leite quente - Ih! Nem falei: comprei um micro-ondas! - e minhas orações me trariam à calma novamente...


O meu colchão me aguardava, e no sono dos justos, o descanso. 

Amanhã? Deixei que o alvor do dia brilhasse em minha janela antes de qualquer pressuposição ou planejamento. Quem sabe despertaria animada e retornaria às assembleias em prol do retorno às aulas. Os alunos precisam de seus professores presentes para que possam entrar e contato com o sabor do aprender.

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