ÍRIS
Eu, Íris Sinah, não tenho família nem amigos aqui.
Passei em um concurso público e vim lecionar literatura para o ensino médio em
uma escola estadual. Descendente de ciganos, meus bisavós viveram muito tempo da
Índia, terra dos meus tataravós. Nômades, sem rumo certo, outras gerações
chegaram à Polônia e terminaram na Alemanha. Terminaram mesmo, porque a maior
parte da minha gente morreu na guerra, nas câmeras de gás nazistas.
Shakira Sinah, ainda bebê, fora entregue a uma
senhorinha judia no momento de seu embarque clandestino para Portugal. Shak,
como era chamada carinhosamente por todos, minha mãe. Morreu faz dois anos e,
ainda em seu leito no hospital, contava às enfermeiras e aos médicos sua vida
com Eloah kraiser, minha avó, quem a adotou e a criou como filha querida.
Falo com o meu silêncio rouco o que os meus olhos e o
meu sorriso não conseguem exprimir.
Faltam-me, mais uma vez, as palavras - companheiras de
alegrias loucas e mentiras tolas, em imagens transcendentes que brilham no
escuro do quarto, quando a insônia teima em não me deixar dormir.
Cresce-me a alma, enquanto o surdo momento, pouco, se
mantém constante dentro de mim; uma ausência que me faz embebedar-me de sonhos,
entorpecer-me de lembranças mortas decompostas em fatos e fotos daquele álbum
velho esquecido na estante do quarto de vestir.
Surge, assim, a vontade louca de gritar a vida... Toda
vida que me resta... Desvendar o segredo, caro, raro, de saber desejar-me
inteira para entregar-me ao prazer de ser e encontrar a paz nos fatos e nas
fotos que estão por vir.
Belo texto...uma história breve de mulher forte e silenciosa dentro de suas lembranças que a impelem para diante. Gostei...quem sabe com desdobramentos, possa virar livro?!
ResponderExcluirInez