No
episódio anterior, Catarina era atormentada enquanto dormia, pois estava em
estado de sonhos chorosos. Quando de repente acordou com as cicatrizes que não
eram irreais.
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Caminhando pela areia da praia com Alex
(ainda seu marido naquele dia) já há uns quinze minutos, aos poucos iam se
distanciando das barracas de beira-praia em que nós costumávamos nos acomodar. Ao
longe, os dois avistam uma figura de cabelos negros e cacheados totalmente
desgrenhados pela brisa. Esse era Martin, amigo de Alex desde o ensino
fundamental.
Além de Martin, havia uma criatura
minúscula e um livro intitulado “Histórias Extraordinárias”. Ambos estavam
sobre seu colo.
Enquanto Alex e Martin conversavam sobre
o motivo dele estar ali, sozinho, (no sentido de estar sem uma companhia humana,
apesar de que um gato e um livro substituem com enorme eficácia uma pessoa)
Catarina não tirava os olhos da criatura, que era um lindo gatinho preto, e
esse correspondia ao seu olhar. Aguardando com paciência seu marido encerrar o
assunto com seu amigo, ela interveio e questionou sobre o paradeiro do dono do
gato; Martin simplesmente pegou o gato delicadamente e o depositou sobre as
pernas dela que estavam estiradas sobre a areia:
- Aqui está a dona do
gato preto! Você!
- Eu?! – perguntou
ela, dissimulada e cheia de alegria. – Mas qual é o nome dele?
- Humm... Escolha
você!
- Esse livro que você
está lendo é bom mesmo? – Catarina adiava o assunto acerca do nome.
- Eu gosto muito,
quer dar uma olhada enquanto continuo a conversa com o meu amigo que parece
enciumado e um pouco desconcertado com essa situação? – Martin sugeriu com uma
piscadela.
Catarina então pegou o livro, folheou
primeiro, cheirou como se tivesse iniciado um ritual íntimo para só depois
começar a leitura, que era uma coletânea de contos, introduzida com um
conto intitulado: O gato preto. Durante o tempo em que Alex e Martin ficaram
conversando, ela adentrou profundamente no mundo obscuro de Edgar Allan Poe, e, de vez em quando, soltava gemidos de sustos e pavor.
Anoitecera e Alex percebeu o quanto
estava tarde e quanto tempo ficara longe do amigo, e, antes de se despedirem, Catarina anunciou toda orgulhosa:
- nome dele será
Edgar!
Os dois homens apenas consentiram e
deram “até logo” um ao outro.
Um trovão a trouxe de volta ao seu
apartamento, que estava iluminado apenas por chamas dançantes das velas
espalhadas pelo chão, breve momento de alteração que a falta de energia proporcionara. E, nesse momento, recordou também que Edgar estava sumido. Só espero que ele não tenha ido mendigar
comida aos vizinhos.
Já que a chuva lá fora a impedia de aproveitar a Cidade, caminhou até a
sala e seus dedos percorreram os livros organizados na estante, arrancou Crime
e Castigo de Dostoiévski a fim de aprender e investir um caráter
introspectivo no seu romance. Mais uma vez iniciou seu ritual antes de ler o
livro e, enquanto o folheava, uma fotografia caiu no chão. Duas faces bem juntas, quase que somadas uma à outra pelo beijo dos dois seres presentes na fotografia
representava o seu rosto e o de Martin.
Enquanto isso, Edgar perscrutava o
ambiente. Andava lentamente, farejando como se fosse um cachorro investigador
de casos macabros.
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Imagem:
The lovers, de Rene Magritte
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