27 de abril de 2013

[305] Episódio 2 – Um achado e um perdido



No episódio anterior, Catarina era atormentada enquanto dormia, pois estava em estado de sonhos chorosos. Quando de repente acordou com as cicatrizes que não eram irreais.
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       Caminhando pela areia da praia com Alex (ainda seu marido naquele dia) já há uns quinze minutos, aos poucos iam se distanciando das barracas de beira-praia em que nós costumávamos nos acomodar. Ao longe, os dois avistam uma figura de cabelos negros e cacheados totalmente desgrenhados pela brisa. Esse era Martin, amigo de Alex desde o ensino fundamental.

       Além de Martin, havia uma criatura minúscula e um livro intitulado “Histórias Extraordinárias”. Ambos estavam sobre seu colo.

       Enquanto Alex e Martin conversavam sobre o motivo dele estar ali, sozinho, (no sentido de estar sem uma companhia humana, apesar de que um gato e um livro substituem com enorme eficácia uma pessoa) Catarina não tirava os olhos da criatura, que era um lindo gatinho preto, e esse correspondia ao seu olhar. Aguardando com paciência seu marido encerrar o assunto com seu amigo, ela interveio e questionou sobre o paradeiro do dono do gato; Martin simplesmente pegou o gato delicadamente e o depositou sobre as pernas dela que estavam estiradas sobre a areia:

- Aqui está a dona do gato preto! Você!
- Eu?! – perguntou ela, dissimulada e cheia de alegria. – Mas qual é o nome dele?
- Humm... Escolha você!
- Esse livro que você está lendo é bom mesmo? – Catarina adiava o assunto acerca do nome.
- Eu gosto muito, quer dar uma olhada enquanto continuo a conversa com o meu amigo que parece enciumado e um pouco desconcertado com essa situação? – Martin sugeriu com uma piscadela.

       Catarina então pegou o livro, folheou primeiro, cheirou como se tivesse iniciado um ritual íntimo para só depois começar a leitura, que era uma coletânea de contos, introduzida com um conto intitulado: O gato preto. Durante o tempo em que Alex e Martin ficaram conversando, ela adentrou profundamente no mundo obscuro de Edgar Allan Poe, e, de vez em quando, soltava gemidos de sustos e pavor.

       Anoitecera e Alex percebeu o quanto estava tarde e quanto tempo ficara longe do amigo, e, antes de se despedirem, Catarina anunciou toda orgulhosa:

-  nome dele será Edgar!

       Os dois homens apenas consentiram e deram “até logo” um ao outro.


       Um trovão a trouxe de volta ao seu apartamento, que estava iluminado apenas por chamas dançantes das velas espalhadas pelo chão, breve momento de alteração que a falta de energia proporcionara. E, nesse momento, recordou também que Edgar estava sumido. Só espero que ele não tenha ido mendigar comida aos vizinhos.

       Já que a chuva lá fora a impedia de aproveitar a Cidade, caminhou até a sala e seus dedos percorreram os livros organizados na estante, arrancou Crime e Castigo de Dostoiévski a fim de aprender e investir um caráter introspectivo no seu romance. Mais uma vez iniciou seu ritual antes de ler o livro e, enquanto o folheava, uma fotografia caiu no chão. Duas faces bem juntas, quase que somadas uma à outra pelo beijo dos dois seres presentes na fotografia representava o seu rosto e o de Martin.

       Enquanto isso, Edgar perscrutava o ambiente. Andava lentamente, farejando como se fosse um cachorro investigador de casos macabros.


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Imagem:
The lovers, de Rene Magritte

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