25 de outubro de 2013

[205] Episódio Piloto: O reencontro

 
Acendi um cigarro de filtro amarelo e dei uma tragada profunda. Limpei as lágrimas restantes que me embaçavam as vistas e segui para a casa de Cátia, uma ex-namorada, uma das poucas que tive. Nosso relacionamento até que era bacana, falávamos com certa frequência pelas redes sociais. Eu gostava de estar com ela, me sentia querido, seguro, como em poucas situações eu pude me sentir. E eu precisava dela agora. Bati à porta do sobrado em que ela morava, num bairro próximo ao centro. Ela me recebeu com surpresa.

– Márcio? – surpreendeu-se ao abrir. Era uma mulata de 1,65m, mais ou menos, seios pequenos – muito pequenos – e coxas grossas e bunda arredondada. Os cabelos eram espessos e encaracolados, de cachos bem definidos pelo uso de cosméticos, os olhos, profundamente negros (que intimidavam), e um sorriso debochado em lábios finos e curtos.

– Sou adotado... – respondi cabisbaixo, evitando encarar seu olhar. Embora nos falássemos frequentemente, não nos víamos pessoalmente há quase um ano. Dizer minha condição foi a única coisa que pensei na hora, quando eu podia ter dito qualquer outra: “Posso passar a noite aqui?”, “Não me convida a entrar?”, “Oi! Que saudades...”.

– Como é que é? – indagou estupefata.

– Posso te contar tudo, se me deixar entrar. Está acompanhada? – perguntei, finalmente encarando-a. Meus olhos marejavam novamente.

– Claro, claro, entre logo. – respondeu franqueando a passagem para que eu entrasse. – Não, eu não estou com ninguém aqui... você sabe disso.

– Sei do quê? Eu descobri que sei muito pouca coisa... – disse ao parar no meio da sala e correr o olhar. – É... as coisas não mudaram muito por aqui...

– Não estou namorando. – murmurou ao se aproximar ternamente. – Você podia ter vindo há mais tempo...

– Foi você que me mandou embora, esqueceu? A minha ideia era não voltar mais aqui... – retruquei, ignorando a parte sobre seu relacionamento, quando fui interrompido.

– Mas voltou. Saudades?

– Senti... muitas... mas não foi por isso que vim aqui. Saí de casa...

– Quer dizer então que... o que você disse mesmo? Adotado? – perguntou franzindo o cenho.

– Você não sabia? – perguntei sentando ao sofá.

– É claro que não! – respondeu de pronto, mas não acreditei muito em sua sinceridade. Não sou muito de acreditar nas coisas e confesso que devo ser uma pessoa muito difícil de conviver. Foi isso que ela me disse quando me deixou. “Você é muito difícil de conviver... desconfiado, ciumento, encrenca por pouca coisa”, “É muito difícil para mim, poxa, eu gosto de você... mas não dá mais”. Mas eu sempre achei que havia outro cara nessa história.

– Fiquei sabendo hoje. Há uma hora e meia, mais ou menos... – disse friamente. Cátia sentou ao meu lado, com uma perna passada por baixo da outra, alisando meus cabelos.

– Caramba... que chato... Como é que foi isso? – perguntou. O cheiro de seu perfume começava a me excitar.

– Vou te contar... mas não agora. Estou precisando de um lugar para morar...

– Quer morar comigo? – indagou sorridente.

– Depois de um ano afastado? Será? – respondi sorrindo e cruzei os braços.

– Só depende de você...

– Nem estamos juntos...

– Isso também só depende de você... – disse e me beijou. Correspondi a seus beijos, um tanto contrariado, a princípio, não era isso que eu queria. Mas me era conveniente e continuei. Foi tudo muito rápido, meio animalesco, coisa de instinto. Em meia hora já tínhamos gozado, abraçados e ofegantes no sofá.

– Você tem bagulho aí? – perguntei enquanto arfava o ar, olhando para o infinito.

– Você tinha que estragar tudo, não é? – esbravejou ao levantar-se irritada.

– Eu deixei tudo na minha... digo... casa da minha... quero dizer, da Martha, e estou sem dinheiro aqui... – tentei me explicar, completamente atordoado.

– Eu já parei com isso faz tempo. Você não disse que ia parar, que tudo ia mudar e coisa e tal? – disse gesticulando de forma debochada, enquanto vestia a camiseta e a calcinha.

– Porra! Você acha que isso é fácil? Olhe minha vida como está. Me diz, como é que eu vou parar? – balbuciei me esticando para pegar o maço de cigarros na minha calça, próxima ao sofá. Bati a carteira e acendi um.

– E eu não parei? Isso é questão de força de vontade. Se você quer, você consegue... – disse ao sentar-se ao meu lado.

– Não é bem assim e você sabe muito bem disso. Agora chega de me dar esporro, porque eu não vim aqui para isso... – reclamei e dei uma longa tragada.

– Veio para trepar e fumar um bagulho...

– Tem como você dar um tempo? Você já disse o que queria, eu já sei, tenho que parar de me drogar, prometi e não cumpri, você me largou por causa disso e porque tinha outro...

– Eu não estava te chifrando, se é o que quer saber, seu filho da puta... – disse afundando o rosto entre as mãos, visivelmente chateada.

– É... minha mãe é uma puta mesmo... aliás, as duas... – desabafei e levantei-me, ainda pelado. Deixei-a sem graça.

– Err... me perdoe Marcinho... eu não... – desculpou-se, constrangida.

– Eu sei, você não queria me ofender. Eu não sou tão estúpido assim... – afirmei, ao dar outra tragada. – Você não tem um cinzeiro?

– Eu não fumo mais, Márcio. – disse ela se aproximando. – Não vai me contar o que aconteceu?

– Ainda não. – respondi secamente. Fui até à janela e joguei a binga fora. – Preciso passar a noite aqui, não tenho para onde ir... É só por hoje... Você me ajuda a encontrar alguma coisa para alugar?

– É claro que ajudo! Por mim, você fica quanto tempo quiser... – disse e me abraçou. Talvez ela fosse realmente apaixonada por mim, eu é que era um babaca mesmo, cheio de problemas. Nem eu gostava de estar junto comigo. Sendo assim, quem gostaria? Podia ser o caso de ela estar sentindo pena de mim. Odeio que sintam pena de mim. Sinto-me ridículo, vulnerável, humilhado... E mulher tem dessas coisas, possivelmente seja o espírito materno, a necessidade de cuidar de alguém frágil.

– Obrigado... – agradeci, entre os dentes e uma lágrima escorreu, sendo colhida rapidamente pelo indicador de Cátia.

– Vamos comer alguma coisa? Já está ficando um pouco tarde... – convidou carinhosamente, a fim de me distrair de meus problemas. Comemos lasanha, daquelas que vendem congeladas, aquela era uma das melhores marcas.

– O padrão melhorou, hein? – comentei com bom humor ao dar uma garfada.

– Estou trabalhando na casa de um bacana. Conhece? O Dr. Lobosco, aquele advogado... – perguntou afastando a comida para o canto da boca.

– O polêmico Dr. Bernardo Lobosco?

– Ele mesmo... – respondeu, o olhar parecia esperar minha reação, mas continuou. – E você? O que anda fazendo?

– Aquele mesmo serviço de design, ilustrações, logomarcas... dá para tirar um bom trocado. E não tenho ninguém para me dar ordens, o que é mais importante.

– Você não muda nunca...

– Mudar causa desconforto. Mudar para quê?

– E por falar nisso, vou buscar o notebook... – disse Cátia ao se levantar, mastigando, para pegar o computador. Abriu-o sobre a mesa e ligou.

– Caramba... esse cara paga bem mesmo. A geração mais moderna, wi-fi... – comentei com admiração pela sua prosperidade.

– O Dr. Lobosco vive na mídia pelos casos que ele pega, pelos artifícios que ele usa, mas não tem muito apego com dinheiro. É pródigo, gasta com o que pode e o que não pode, vive a esbanjar... – explicou com a boca cheia.

– Quando ele for mudar a logo do escritório, me avisa, está bem? – adverti sorrindo. Só a Cátia mesmo para me fazer isso.

– Olha aqui... achei um apartamento lá no centro, parece bacana para você: dois quartos, sala, cozinha, banheiro... – disse virando o aparelho para que eu pudesse ver melhor. – Até que é bonitinho. Veja, tem até a foto externa do prédio...

– Cinza demais, você não achou? – observei, depositando o talher no prato e afastando-o para frente.

– E o que não é cinza demais nessa cidade? – disse abocanhando a última garfada. – Não quer me contar mesmo sobre o que aconteceu? Vai ser bom para você... – persuadia-me ela.

– Você é curiosa, hein? – debochei com um esgar de sorriso, tentando disfarçar minha inquietude. Baixei o olhar, suspirei e continuei. – Não quer fazer um cafezinho para a gente?

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