Um
vazio... Isso. Uma sensação de total abandono.
Solidão
ceciliana. Desejo oswaldiano de transformação e ruptura
com um passado ilusório e idealizado. Uma antropofagia educacional necessária à
catarse dessa angústia que toma conta de tamanha desolação. Alma saudosa da família que se foi. Corpo cansado de tantas caminhadas sem rumo, aspirações
rompidas por várias decepções.
E
tudo que pensei encontrar bem, parecia-me pior do que quando fui. Um nada
aconteceu diante de todas as reivindicações de minha classe. Penso que a sociedade
não merece os profissionais sérios que tem. Aqueles que lutam por condições
melhores de trabalho, exigem o mínimo necessário, um resultado mais eficaz de
suas ações em sala de aula.
Nós,
professores, brigamos por recursos básicos e essenciais a uma educação de
excelência: conforto, segurança, material didático-pedagógico de qualidade que atenda
à diversificação das atividades e ao desenvolvimento de uma tecnologia
educativa eficiente. Consequentemente, deixamos claro o real motivo de nossa
luta: uma ação efetiva do que determinam as leis educacionais e que fica
restrito a uma elite que paga por um serviço que deveria ser obrigação do
governo. Educação para todos. Frase mote de um discurso demagógico e repetitivo.
Frase hipócrita que não engana mais nem mesmo aos menos favorecidos.

Amigos
descrentes voltaram às suas turmas insatisfeitos, revoltados com a violência
que sofreram, com a passividade do governo e a revolta da população – acreditem!
– essa se volta contra nós e, nós, apenas pedimos o que nos é direito... Essa
nos coloca numa posição de vândalos, irresponsáveis que perderam um ano e
atrasaram seus filhos, sobrinhos e netos. Como se o atraso real fosse esse.

Desolação
policarpeana, entretanto crença condoreira de que a mudança vem com o
incômodo e com a exposição daqueles que põem suas caras à tapa. Diante de tudo,
a necessidade de colocar em dia as minhas obrigações, assumir as minhas funções. Afinal
acabou a greve, voltamos ao trabalho, mas não deixamos de querer, aspirar,
pensar em um fazer acontecer. Como é difícil recomeçar assim!

Portugal...
Eu não poderia ficar com Paolo naquele lugar que me traz tantas lembranças e me
sufoca, a ponto de me trazer de volta a asma que um dia tive... Gastrite... Pânico...
Uma vontade de voltar ao ovo e me permitir ficar no casulo cinza de meu ap. Um
afastamento, uma alienação, um comportamento de refugiada, escondida de tudo e
de todos, tão necessário nesse momento de reestruturação.
Quem
um dia teve tantos amores, hoje se encontra perdidamente desligada da vida.
Nada me restou a não ser esse padrasto que não quis abandonar o barco e ficar à
deriva como eu. Paolo se entrega às lembranças e, novo ainda, não segue sua vida.
Sozinho, ainda sobrevive da memória, castelos de areia, recordações de uma
família que construiu e que se foi nas rajadas das últimas tempestades que
destroçaram sua alma e seus anseios.
Tanto
Paolo como eu precisamos desse luto, encontrar forças para sair dessa condição
de vítimas e recriar situações de conforto e de alegrias novamente. Penso ajudá-lo,
mesmo distante, e procurar meu pai biológico, Daniel, de quem quase nada sei, a
não ser sua profissão de jornalista atuante, amante da verdade e da divulgação
de verdades, levando aos seus leitores e ouvintes informação real como forma de
escolhas, é agora a minha meta.

Assim
como o prédio, cinza está minha vida, meu sentir, minhas expectativas em
relação ao futuro. Mas sei que depois dessa amargura, o sol vai me trazer a
solução e a esperança. Jargão? Eu sei. Mas afinal para que servem as expressões
clichês senão para ressaltar nostalgias, além da desvalorização linguística,
assumidamente responsável por uma clientela de reprodutores de ideologias
aprendidas nos bancos acadêmicos. É contra isso que luto todos os dias, apesar
de remar contra marés de tormentos nas escolas que vivem de clientes, que
querem saber do que pagam para receberem conhecimento como mercadorias
adquiridas em bancas de mercadinhos e feiras.
Conversava
com um amigo e ele me criticava quanto a minha forma de encarar a vida sem vida,
sem soluções, reclamava de minha amargura e me fazia repensar quase tudo. Isso,
um pouco antes de meu retorno a Portugal. Tentei me defender, mas eram
indefensáveis todos os seus argumentos. Eu me encontrava em uma zona de
conforto tal, conduziam-me o marasmo e a acomodação diante das coisas, isso me deixavam
sem respostas para o que só dependia de mim.
E
onde estava aquela Íris que fui um dia? A Íris alegre, aquela que acreditava em
conseguir ser o que queria, que saiu de sua casa e se entregou às buscas de
mais alegrias? A filha cigana da cigana Shakira que exalava vida por onde
passava, a neta da judia Eloah que me fazia ser admiradora da poesia, fazia-me crítica e
responsável pelos meu atos, autônoma o suficiente para ser o que sou hoje. Meu
vô Samuel que me tornou essa eterna contadora de histórias e mulher das
palavras rebeldes, das palavras fortes, sedutoramente necessárias a quem
precisa aprender a se defender desde cedo de gentes e situações
manipuladoras.
Da
janela vejo pessoas entrando e saindo do edifício. Quem seriam essas pessoas?
Vivemos em um mesmo lugar, separados por paredes e andares de concreto e não
sabemos mais do que o som de seus bons dias, boas tardes e boas noites,
educados, de quem mal se olha e se vê, mesmo ocupando quase o mesmo espaço.
Bebo
água, escuto um latido de cão, o elevador que sobe e desce. Um silêncio
prolongado parece compartilhar desse meu dia de lágrimas e recordações. Banho!
Isso! Um banho seria capaz de me fazer sentir a vida através da água quente que
lavaria esse mofo mórbido azevediano.
Respiro profundamente e reajo diante da vida que se apresenta no reflexo da
janela. Vou sobreviver – risos –, afinal, fui educada por vencedores e vou
saber vencer como eles.
A
herança? Ah! A herança que fui buscar? Que herança que nada... A maior de todas
trouxe comigo: a pessoa que sou, minhas crenças, meus valores, minha garra de
fazer e transformar... Algumas roupas, poucas, algumas obras de arte da vovó,
uma pequena parcela de dinheiro que se encontrava na poupança já em meu nome.

A chácara e a marcenaria, a terra dos meus avós estão à venda. Por enquanto Paolo está por ali... Mesmo na cidade, trabalhando na padaria do seu amigo, sei que zelará pelo Recanto das Garças. Esperemos pelo o que há por vir.
Enquanto eclodem os problemas lá fora, fico, eu e Paulinho da Viola, reestruturando-me para um novo amanhã....
http://www.youtube.com/watch?v=o5qYIh1BBLI