25 de julho de 2013

[505] Episódio 7: Com quem fica o cachorro? (parte 2)

(Leia a parte 1 deste episódio aqui)

A felicidade de Monstro irradiava. Ele estava feliz, nós estávamos felizes. Os dias se passaram e Monstro ganhou todo nosso carinho. Estávamos adaptando nosso cotidiano ao nosso novo morador aos poucos: ele ganhou seu cantinho na casa; tinha sua caminha, ração e água. Fizemos uma escala para levá-lo para passear. Marina até se esqueceu de baladas e homens por um tempo. Mesmo em segredo, fiquei satisfeito.

Os problemas começaram cerca de um mês depois. Monstro fez xixi na porta de uma vizinha do andar debaixo. Dona Mirella não reagiu muito bem a isso, mesmo eu tendo voltado para limpar alguns instantes depois. Fiquei com medo de ouvir umas poucas e boas do síndico, mas isso não aconteceu.

Eu, enterrado num mar de provas da faculdade, ficava trancado em casa, estudando. Quase não via Marina, como era de costume, e Monstro era minha única companhia. Me afeiçoei demais àquela criaturinha feia. O chamamos de Monstro por ele ter uma deformidade no rosto. Acabamos por descobrir com a idealizadora da feira que seu rosto era daquele jeito devido a maus tratos e agressões de seu último dono. Aquilo me fez pensar: uma pessoa que faz isso com um pobre animal indefeso; o quanto será que ela é feia por dentro?

Até que aconteceu.

Um dia Marina chegou a casa, fazendo muito barulho. Monstro começou a latir. Eu acordei assustado. Encontrei-a ainda perto da porta, apoiada na parede. Estava visivelmente bêbada.

— Sai daqui! — ela gritava pra mim.

Tentei ajudá-la, mas ela me empurrava e me socava com o pouco de coordenação que o álcool não inebriou.

— Sai daqui! Você é um idiota! Eu te odeio!

— Marina, para com isso! O que houve? O que eu te fiz?

— Você não fez nada. Você nunca faz nada. Essa é a merda do problema!

Não tinha entendido muito bem, até que ela tentou me beijar. Afastei-a, enrubesci e vi lágrimas se formarem em seus olhos. Seu olhar fixou-se no meu por alguns instantes, até ela sair correndo, desajeitada pela casa, para vomitar no banheiro.

Me sentia o pior dos seres humanos por ter provocado o estado deplorável no qual encontrava seu coração. Me sentia insensível por nunca ter percebido. Teria mudado alguma coisa se eu tivesse percebido? Poderia eu corresponder se soubesse o que ela estava sentindo? Por que eu era tão frio?

Cuidei dela. Ajudei-a a entrar num banho gelado, lhe ofereci um café bem quente. Ela, sem coragem de proferir uma palavra sequer. Eu nem ao menos conseguia encará-la nos olhos. Acordei no dia seguinte sozinho na casa.

Ela havia ido embora, sem deixar rastros. Sem falar nada. Sem deixar ao menos um recado. Monstro também não estava lá. Ela foi embora e levou o cachorro. E eu estava sozinho naquela Cidade, pela primeira vez. O apartamento parecia maior e qualquer passo que eu dava ecoava pelas paredes. Não é fácil se acostumar com a solidão. Apesar de sempre ser solitário, tinha em minha mente a ideia de ter alguém por perto. Agora era só eu por mim mesmo.

Uma semana se passou. No meio da madrugada, ouço minha campainha tocar. Algo arranha minha porta. Quando abro, vejo Monstro olhando para mim. Pendurado em sua coleira, as chaves reserva do apartamento. Ao seu lado, no capacho, um envelope.

Abri. Uma simples mensagem numa bela caligrafia dizia:

"Não há ninguém melhor para ele do que você. Ele sente saudades."

Olhei ao redor mas já não havia mais ninguém.

(Anos depois descobri o amor. Apesar de meu medo, apesar de só ter conhecimento da parte teórica através dos livros e filmes perdidos neste apartamento, me joguei de cabeça, arrisquei, e fui correspondido. Lutei por Sara e afeiçoei-me a Daniel. Mas o destino me reserva grandes surpresas.)

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