16 de maio de 2013

[204] Episódio 5: Da Terra a Marte






- Não queremos arruinar Marte - disse o capitão. - É muito grande e belo.
- Acha que não? Nós, terrestres, temos um enorme talento para arruinar coisas grandes e belas. A única razão pela qual não instalamos barracas de cachorro-quente no templo egípcio de Karnak foi porque estava fora da estrada e não oferecia grande oportunidade comercial.

Ray Bradbury - As Crônicas Marcianas


Minha irmã disse que eu precisava de um plano de vida a longo prazo: pois então, acho que vou para Marte. Sim, eu sei que não é provavelmente o que ela tinha em mente, mas convenhamos que meu histórico não condiz com o tripé Emprego Estável - Casamento Feliz - Descendência Saudável. Se essa for a definição oficial de existência bem sucedida é bastante provável que eu seja apenas desperdício de matéria genética - tese com a qual minha irmã provavelmente concordaria. Procurando uma rota de escape, vi na internet que uma organização holandesa está recrutando voluntários para colonizar o planeta vermelho. Escuta só: nos próximos anos serão enviadas sondas e outras parafernalhas até que, finalmente, em 2023 a primeira exposição tripulada chegará ao seu destino.

Dez anos me parecem pouco para começar a fincar bandeirinhas em nosso sistema solar, mas não sou perito e, sim, eu prefiro acreditar que estamos a uma década do futuro sonhado por Ray Bradbury nos anos 50. Nem tivemos que esperar tanto tempo, se você for parar para pensar, e mesmo que todas as histórias sobre ir à cata de homenzinhos verdes no planeta vizinho pertençam não apenas ao século, mas ao milênio passado. Estamos no limiar de algo muito empolgante, Cotoco, e eu estou pensando em me candidatar. É sério, não me olhe desse jeito.

Claro, minhas expectativas de êxito são baixas, ao menos para as primeiras levas de colonos. Ao contrário do que você provavelmente está pensando, a demanda de inscrições ultrapassou qualquer expectativa. Há milhares de pessoas dispostas a deixar a Terra sem olhar para trás. Sim, porque a passagem é só de ida. Para além de enfrentarem uma viagem de 8 meses na qual perderão massa óssea e muscular, os colonos terão de se adequar à gravidade de Marte, bem mais fraca que a da Terra. A boa notícia é que não precisarei fazer aquele regime há tanto tempo adiado, já que pesarei bem menos. A péssima notícia é que não é possível uma readaptação à gravidade do nosso próprio planeta, e o custo de uma viagem de volta porque se ficou com saudade de casa é inviável - quem conseguir chegar à Marte terá como única certeza a de que morrerá nesse planeta, em quinze dias ou cinquenta anos.

A ideia me fascina por inúmeras razões, que passam pela simples curiosidade intelectual até a vaidade de "fazer história". Mas o principal motivo talvez tenha a ver com a empolgação infantil de ser astronauta: é muito sedutor o conceito de desbravar mundos desconhecidos. Seremos os novos Argonautas, daremos início à era das Grandes Navegações espaciais e, o que é melhor, vou ter tempo para aperfeiçoar minha imitação do monólogo do Capitão Kirk - "Space, the final frontier"

É claro que a realidade da colonização marciana não vai ser tão glamurosa quanto a vida na Enterprise retrô. Herbert Viana não cantou à toa que  "O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu". Se o problema fosse só se preocupar em não passar muito perto do sol para não derreter a cera das asas o trabalho até seria simples. A energia virá de painéis solares, a água será extraída do solo e constantemente reciclada, os alimentos precisarão ser cultivados em estufas - e é para torcer que as estufas funcionem.

Li em algum lugar que um bambambã da NASA teria dito que os primeiros colonos precisavam ter o espírito dos colonizadores do Velho Oeste americano. Com a diferença que não vai dar para cansar da poeira, do sol e da vida frugal. Quer dizer, provavelmente quem se lançava num perrengue desse naipe estava desesperado o suficiente para não poder desistir, então nesse sentido o Velho Oeste também fosse tão exótico quanto Marte. Talvez estejamos sempre procurando formas de correr de nós mesmos e de nossos problemas, e é talvez justamente por isso que vamos sobreviver ao sucateamento do nosso planeta, e acabaremos nos espalhando como pragas ao redor de outras estrelas. Estou começando a falar como um moralista de romance pulp, eu sei, é melhor parar.

Vou mandar o formulário de inscrição para Marte. Juro que vou, Cotoco, você vai ver só. Depois do café. Vou beber o máximo de café enquanto ainda é tempo.

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