Luis era um amante
extremamente ardente e, como se diz por aí, na gíria, o número certinho de Mirella.
Sendo os dois maduros, não cabia na relação sexual situações que pudessem melindrá-los. Viviam intensamente aqueles momentos, seguindo obviamente com
toda segurança que a situação pedia. Em uma relação entre pessoas adultas não
cabe inverdades e ambos sabiam que deveriam respeitar este código. Com isso se
permitiam viver tantas fantasias quanto fossem possíveis.
No entanto, Mirella começou a
perceber que seus sentimentos oscilavam. Atitudes e situações que a levavam a
crer que poderia estar enganada. Um questionamento se instalou de tal forma em
sua mente que sua inquietude começou a transbordar em forma de impaciência e
isso, obviamente, refletia na relação deles.
Será que Mirella sentia por Luis paixão
ou compaixão?
Luis, com o tempo, foi
se instalando em sua casa com generosa frequência. Volta e meia se dizia sem
dinheiro e fazia empréstimos a ela com o devido cuidado de deixar claro que saldaria
a dívida logo recebesse seus pagamentos. Mirella insistia em querer saber mais sobre a
atividade profissional dele. Segundo Luis, sua função era de assessoria, mas na
real, Mirella acabou descobrindo que, simplesmente, Luis vivia de “bicos”. Ele não conseguia manter um emprego por muito tempo.Batia no peito e dizia que
não nasceu para ser empregado e sim chefe. Segundo sua própria
versão: explodia sempre com seus superiores, que em geral, para ele, eram sempre burros.
Tipicamente coisa de leonino, justificava
Mirella. São orgulhosos demais para se subordinarem a uma chefia. Triste constatação! Triste
situação que Mirella teimava em não enxergar.
Naquele dia, ela saiu mais
cedo do trabalho e, chegando ao prédio, passando pelo hall reparou um burburinho diferente do habitual. Escutou comentários sobre a saúde frágil de Seu Célio,o
morador do apartamento 106, parecia que era sério! Apiedou-se do mesmo, mas
seguiu seu caminho. Queria chegar logo em casa e descansar. Tinha sido um dia
estressante no escritório.
Assim que saiu do elevador, o
qual por um milagre funcionou naquele dia, pode sentir ainda no corredor o
cheiro insuportável de cigarro que impregnava o ar. Isso a fez lembrar que deveria ter sempre em mente essa sensação para que não voltasse mais a
fumar. Sentiu náuseas e um leve mal
estar invadiu seu corpo.
Luis estava ali.
Luis estava ali.
Ao entrar o viu na sala deitado no
sofá, diante da TV com um cinzeiro repleto de bingas de cigarro. Percebendo a presença
dela, ele se levantou e foi ao seu encontro.
- Chegou mais cedo, criança! - Beijou-lhe
de leve a boca.
Notou um franzir de testa. Ignorou.
- Já te pedi muitas vezes para
não me tratar assim... e esse cheiro?! Sabe que detesto!
Luis pegou o cinzeiro e, com má
vontade, jogou as cinzas no lixo.
- Já vi que seu dia hoje não foi
nada bom, né?
Rispidamente Mirella resmungou alguma coisa e foi pro quarto.
Luis ouviu o som da água que
caía do chuveiro e foi até a cozinha preparar algo para comerem. Preferiu não
falar mais nada para não piorar a situação.
Mirella saiu do banho, enrolou a
toalha na cabeça, vestiu um robe de seda confortável, calçou as sandálias e, um
pouco mais relaxada, foi ao encontro dele, na cozinha. Estava faminta. Preferiu
mudar o assunto. Enquanto comiam trocavam experiências sobre o dia.
- Quando cheguei no hall do prédio me pareceu ouvir que seu Célio está mal. Vai ter que ser
internado.
- Aquele velho nazista? Bem
feito.
- Luis! Não fala assim . Seu
Célio é um senhor muito distinto e já tem idade bem avançada. Acho que mais de
90 anos!
_ Azar o dele.
- O que ele te fez para tratá-lo dessa forma? Nem o conhece direito!
- O que ele te fez para tratá-lo dessa forma? Nem o conhece direito!
- Andei sondando por aí. Dizem
que ele é bem ranzinza. Só podia, sendo alemão!
Mirella não conteve a risada.
- Ahahaha , ele nem é alemão!
Mudando o tom da voz ela o interpelou:
- Não
sabia desse seu lado radical e preconceituoso.
Percebia-se um ar de decepção na voz dela.
Luis não ligou e então desfiou todo seu
conhecimento e julgamento sobre a suástica e os mandos e desmandos de Hittler, a guerra e o
holocausto, insistindo na comparação feita ao senhor Célio. Enquanto ele falava, Mirella fingia ouvi-lo. Seu pensamento
divagava. Estaria ouvindo mesmo tudo aquilo do homem pelo qual se apaixonara e
que se mostrara tão frágil e sensível há tão pouco tempo?! Como poderia estar
tão enganada?
A comida não lhe caiu bem.
A comida não lhe caiu bem.
Esperou pacientemente que Luis
terminasse sua dissertação e, desculpando-se, alegou estar cansada demais. Preferiria
dormir sozinha aquela noite. Luis ainda tentou provocá-la, se fazendo de vítima, como de costume, afinal só porque chamou o tal vizinho de nazista ela o mandava embora? Tentou
se desculpar mas Mirella foi implacável em sua decisão. Restou-lhe então acatar o
pedido.
Foi a última vez que Luis entrou
naquele apartamento...
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